Aspectos conceituais e metodológicos
de uma abordagem econômica da insdústria cultural – José Osvaldo Guimarães
Lasmar
Neylson J. B. F. Crepalde
O autor inicia o texto problematizando a questão da
abordagem das manifestações culturais. Segundo Lasmar, apesar das dificuldades,
essas manifestações culturais devem ser examinadas e trabalhadas no seu aspecto
econômico. A literatura sobre o assunto é escassa e a abordagem, segundo nos
conta o autor no final do capítulo, é tendenciosa de modo que faz juízo de
valores ao invés de apenas analisar a realidade.
O autor segue apresentando o conceito de
industrialização da cultura, dos produtos culturais, e a hierarquização da
cultura com a divisão entre “cultura superior” e “cultura inferior”. Lasmar
aponta ainda a maleabilidade dos produtos culturais e ainda que esses produtos
são construídos socialmente conforme os demais produtos do capitalismo. A
saber, os produtos sofrem os efeitos e ao mesmo tempo influenciam a formação
social além de serem produzidos em série através da divisão social do trabalho
para consumo em larga escala. Ao produto deste fenômeno de industrialização da
cultura, Edgar Morin chama de “terceira cultura, oriunda do cinema, da
televisão, do rádio e da imprensa, que se desenvolve ao lado das culturas
clássicas (religiosas e humanistas) e nacionais” (apud LASMAR, 1988, p. 14). O estudo da economia da cultura requer,
desse modo, um olhar na dinâmica interna da indústria cultural.
Lasmar divide a indústria cultural em “indústrias de
informação” e “indústrias de mensagem”. As indústrias de informação seriam
caracterizadas pelos seus produtos altamente perecíveis, pela concentração e
concorrência em mercados duplos (mercado de consumidores primários, leitores,
ouvintes e espectadores, e mercado de consumidores secundários, os anunciantes)
e pelas diversas barreiras ao ingresso. Já as indústrias de mensagem seriam as
indústrias dos livros, fonográfica e cinematográfica. Nesses casos, os produtos
culturais seriam analisados nas suas fases de criação, edição-reprodução,
reprodução-fabricação, distribuição e comercialização.
Sobre as dimensões econômicas da produção cultural de
massa, Lasmar aponta que a indústria cultural funciona no “modelo de
crescimento econômico baseado na expansão de bens de consumo duráveis” (LASMAR,
1988, p. 21). Além disso, indica
duas funções básicas da indústria: “ampliar o mercado de bens de consumo e
fazer passar como universais os valores das classes dominantes” (ibidem). Para cumprir esta função, a
indústria cultural “se orienta por critérios de lucratividade, destinando sua
produção às camadas de maior poder aquisitivo” (ibidem).
Lasmar defende a atuação da indústria cultural
declarando que a mesma “potencia a acumulação de capital, sobretudo no
departamento produtor de bens de consumo” (LASMAR, 1988, p. 22). Ele define
cultura industrializada como a produção cultural organizada e gerida de acordo
com as leis gerais de mercado (produção e circulação de mercadorias).
Não obstante, é partindo do caráter
empresarial, ou, se preferir, capitalista, da produção cultural de massa que se
pode compreender por que a função primeira da indústria cultural no capitalismo
contemporâneo não é a de alargar mercados para a indústria de bens de consumo,
mas sim, contituir, ela própria, uma frente de acumulação e valorização do
capital. Os rumos da indústria cultural brasileira só podem ser precisados a
partir dessa constatação. (LASMAR, 1988, p. 23)
O autor expõe a indústria cultural como uma economia
independente e autônoma, não agindo em suporte a produtos diversos, mas tendo
uma movimentação econômica própria e bastante expressiva. A partir da segunda
metade dos anos 60, a televisão integra, comenta Lasmar, o conjunto da
indústria cultural brasileira conferindo-lhe a unidade que hoje apresenta.
O autor considera a função ideológica de universalizar
os valores das classes sociais hegemônicas por causa das implicações
decorrentes nos países periféricos. Do contrário, para o autor, essa questão
não teria para nós interesse. Ele aponta que a indústria cultural é
“instrumentalizada como veículo de dominação pelo capitalismo central” (LASMAR,
1988, p. 24) sobre os países periféricos. Entretanto, Lasmar argumenta que
existe aí uma contradição, visto que,
De outro modo não se poderia esperar que
a indústria cultural se engajasse na publicação e venda da obra de Marx e Lenin
em bancas de jornais, ou ainda, que fosse possível a associação com capitais
estrageiros da indústria cinematográfica para produção e distribuição de filmes
nacionais de conteúdo marcadamente político e social. (LASMAR, 1988, p. 25)
Sobre a concentração do capital na indústria cultural,
Lasmar aponta que se deve às condições técnicas de produção que integram o
setor e às “possibilidades crescentes de transformação da indústria cultural em
espaço de investimentos” (LASMAR, 1988, p. 26).
Na indústria cultural brasileira são apontados
mercados supostamente restritos. O autor comenta que o padrão de crescimento da
indústria obedece à logica do modelo excludente e concentrador de renda da
produção de bens de consumo duráveis. Lasmar comenta que, dos anos 30 até os
anos 50, os setores que guiavam a economia brasileira eram o setor de bens de
consumo assalariado e o setor leve de bens de produção. Já a partir dos anos
50, há uma transição em que as políticas desenvolvimentistas estabelecerão um
novo padrão de acumulação movido pelos produtos de bens de capital e bens de
consumo duráveis.
A ruptura do “modelo articulado de
desenvolvimento”, a implantação de um padrão de crescimento baseado na produção
de bens de consumo duráveis, na concentração de renda e na internacionalização
da economia, integram, portanto, uma mesma trama. (LASMAR, 1988, p. 29)
Lasmar interpreta características fundamentais da
indústria cultural em comparação com o modelo de crescimento dos bens duráveis
de consumo de modo que “a perversa estrutura de distribuição de renda seria
funcional e compatível com a ‘elitização’ da produção cultural no Brasil” (ibidem). Esse modelo também privilegia a
dependência tecnológica e a importação de produtos culturais e associa-se a uma
internacionalização da cultura brasileira.
O autor critica o estudo dos problemas relacionados à
organização e evolução dos mercados culturais por terem sido tratados de forma
imediatista. Para Lasmar, o desenvolvimento da indústria cultural será balizado
pelas possibilidades reais de acesso das diversas classes sociais à fruição dos
bens culturais.
Lasmar aponta que a função ideológica (citada supra)
da indústria cultural tem sido considerada com maior ênfase em detrimento de
suas implicações de dependência econômica em países periféricos. Para o autor,
o produto cria o consumidor, cria a sua própria demanda e seu próprio mercado
fabricando culturas para consumirem bens e serviços. Lasmar cita o exemplo de
Hollywood como exportador de produtos americanos e declara que essa exportação
se dá mediante duas condições: “a preservação da dependência [e] a instalação,
na sociedade receptora, de uma demanda artificial voltada para o consumo de
bens e serviços elaborados no exterior” (LASMAR, 1988, p. 33). Contudo, somente
essa abordagem é insuficiente para o autor porque simplificaria as diversas
formas de inserção de países periféricos na economia internacional e ainda
“porque estamos menos interessados nas funções de dominação exercidas pela
cultura de massa no âmbito das relações centro-periferia do que nos
constrangimentos impostos pela situação de dependência ao pleno desenvolvimento
da indústria cultural brasileira” (ibidem).
Este desenvolvimento depende de alguns fatores de crescimento como a
consolidação de uma base técnico-científica, maior articulação interna do seu
aparelho produtivo e a formação de um grande mercado consumidor.
Sobre a integração do Brasil no mercado econômico
cultural internacional, Lasmar comenta que esta acontece de duas formas: a
primeira seria a integração de tipo comercial que faz do Brasil um mercado
consumidor de produtos elaborados nos países centrais. A segunda seria a
integração de tipo produtiva, consistente na produção interna de determinados
produtos culturais.
Lasmar aponta a importância da comunicação de massa e
das indústrias culturais na construção de políticas culturais:
Por se tratar de um fenômeno até então
relativamente recente, ou por terem sido quase sempre abordados a partir de
rígidas posturas ideológicas mais preocupadas em condená-los do que em
analisá-los, a importância dos meios de comunicação de massa e das indústrias
culturais na construção das políticas culturais não pode ser percebida de
imediato. Entre as primeiras reações “nacionalistas” e as experiências atuais
de planejamento da produção cultural de massa, as intervenções públicas no
setor estiveram permeadas por medidas simplesmente “reativas” face à
constatação de problemas crescentes na produção e na realização dos produtos
culturais nacionais. A perda de mercado pelos produtores locais responde-se com
mais subsídios à produção ou ao consumo dos bens culturais, atingindo-se, em
alguns casos, até mesmo a estatização pura e simples da sua produção, da sua
distribuição ou do seu financiamento. (LASMAR, 1988, p. 38)
Para o autor, as análises da funcionalidade da
indústria cultural no crescimento do país parecem desconsiderar qualquer tipo
de intervenção pública. Estas intervenções seriam necessárias, ao contrário do
que comumente se espera do Estado: que apenas financie e policie. Sobre essa
questão, Lasmar aponta dois aspectos: primeiro, o fato de que produtividade
econômica e “produtividade política” andam no seio das indústrias culturais de
maneira contraditória. Segundo, que a indústria cultural caminhará para sua
autonomia de acordo com o aumento das possibilidades de consolidar seus
mercados e deles apenas depender para operar e crescer.
Concluindo, Lasmar defende que, pela força e
expressividade econômica que tem, a indústria cultural não pode ser mais
ignorada devendo ser considerado o seu papel e o seu lugar na construção de
políticas culturais. O autor declara ainda que já não são mais cabíveis as
caracterizações redutivas feitas pela Escola de Frankfurt.
REFERÊNCIAS
LASMAR, José Osvaldo Guimarães. Aspectos
conceituais e metodológicos de uma abordagem econômica da indústria cultural.
In: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Economia da
Cultura: reflexões sobre as indústrias culturais no Brasil. Brasília,
Instituto de Promoção Cultural/Secretaria de Apoio à Produção Cultural –
Ministério da Cultura. 1988, 69p.
Neylson J. B. F. Crepalde é graduado em Regência pela
UFMG (2010) e especializando em Gestão Cultural pelo Centro Universitário UNA
(Belo Horizonte, MG). Apresentou-se como maestro convidado com a Orquestra
Sinfônica de MG em 2010 na série Concertos no Parque. Apresentou-se no concerto
de encerramento do I Laboratório de Regência da Orquestra Filarmônica de MG em
2009. Apresentou à frente da Orquestra sinfônica de Barra Mansa em concerto na
Igreja da Sé em Olinda, PE em 2010. Atualmente é professor substituto da Escola
de Música da UFMG na área de Regência.